Política, Estado e Direito

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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Diante da Lei - Franz Kafka


Diante da lei há um guardião. A este guardião se dirige um homem do interior e pede para entrar na lei. Mas o guardião diz que não pode autorizar sua entrada na lei agora. O homem reflete e aí pergunta se ele poderá então entrar mais tarde.

- “É possível” -, diz o guardião, “mas agora não”.

Já que a porta para a lei fica aberta, como sempre, e o guardião posicionado ao lado, o homem curva-se para ver lá dentro, através da porta.

Quando o guardião percebe isso ele ri e diz:

- “Se isso te atrai tanto, então tente entrar, apesar da minha proibição. Mas note o seguinte: eu sou poderoso. E sou apenas o mais ínfimo e último dos guardiões. De sala em sala posicionam-se outros guardiões, cada um mais poderoso do que o outro. Já a visão do terceiro nem eu posso mais suportar”.

Tamanhas dificuldades o homem do interior não esperava, pois a lei deveria ser acessível a todos, e sempre, pensou ele. Mas agora, olhando bem para o guardião, em seu casacão de peles, seu narigão pontiagudo, sua barba negra, tártara, longa e fina, ele decide que seria melhor esperar, até conseguir autorização para entrar. O guardião deu-lhe um banquinho e deixou que se acomodasse do lado da porta. Lá ele ficou sentado por dias e anos. Faz muitas tentativas para que lhe seja permitido entrar, cansando o guardião com seus pedidos. Frequentemente, o guardião fazia pequenas audiências com ele, quando então lhe perguntava sobre sua terra natal e muitas outras coisas, mas eram perguntas feitas com neutralidade e enfado, como fazem os grandes senhores, e ao final sempre dizia, que ainda não podia deixá-lo entrar. O homem, que tinha trazido uma boa provisão para a viagem, usa de tudo que tivesse algum valor, para subornar o guardião. Este, de fato, aceita tudo, mas ao fazer isso sempre diz:

- “Eu aceito, para que você não creia que deixou de tentar algo”.

Durante todos esses anos o homem fica observando o guardião quase que ininterruptamente. Ele esquece os outros guardiões e este primeiro parece ser o único obstáculo à sua entrada na lei. Nos primeiros anos, ele amaldiçoa o seu destino infeliz em alto e bom som. Mais tarde, ao ficar mais velho, ele só resmunga para si mesmo. Ele se torna infantil, e como ao longo dos anos havia estudado bastante o guardião, ao ponto de conhecer até as pulgas na gola de seu manto, ele pedia até às pulgas que o ajudassem a convencer o guardião. Por fim, sua visão se torna turva, e ele não sabia se estava mesmo ficando mais escuro para ele, ou se os seus olhos é que estavam lhe enganando. Mas com certeza ele reconhecia agora um brilho, que irrompia claramente da porta da lei. Daí ele não viveu mais muito tempo. Antes de sua morte, reuniram-se em sua cabeça todas as experiências acumuladas durante esse tempo todo, sintetizadas em uma única pergunta, que até então ele não tinha feito ao guardião, para quem aí ele acenou, já que não conseguia mais levantar o seu corpo enrijecido. O guardião precisou se curvar muito para baixo, pois a grande diferença entre eles havia aumentado enormemente, em detrimento do homem.

- “O que você agora ainda quer saber? -”, perguntou o guardião, - “você é insaciável”.

- “É que todos buscam a lei” -, diz o homem, - “como pode que em todos esses anos ninguém além de mim solicitou a entrada?”

O guardião percebeu que o homem já está no fim, e então, para conseguir alcançar sua audição que já se ia, gritou para ele:

- “Aqui não poderia mais ninguém conseguir permissão para o ingresso, pois esta entrada estava destinada apenas a ti. Agora eu vou embora e vou fechá-la”.

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