Política, Estado e Direito

Este blog é destinado ao debate e divulgação de idéias referentes à Política, Estado e Direito. Também servirá para interação e diálogo entre alunos e professores de Cursos de Direito e áreas de conhecimentos afins.



sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

O SUS e a inconstitucional exigência de comprovar endereço

Matéria do CORREIO de Uberlândia, publicada no dia 14/12/12, informa que a Justiça Federal determinou que a rede de saúde de Uberlândia atenda também a pacientes de outras cidades. A proibição de atendimento existia sob o argumento de que a estrutura do SUS aqui disponível era insuficiente para atender a própria população de Uberlândia; quanto mais a da região. A decisão judicial que determina o atendimento universal implica na necessidade de ajustes políticos e administrativos. Contudo, trata-se de decisão constitucional e legítima.
A Constituição Federal, em seu art. 19, inc. III, estabelece que é proibido à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios “criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.” Qualquer prática discriminatória negativa entre brasileiros que vise à exclusão de acesso a políticas e serviços públicos é inconstitucional. Significa que não importa o município onde o cidadão tenha nascido e muito menos o local de sua residência. O acesso ao SUS não pode ser negado em função de um endereço. O argumento da “viabilidade” da rede local não pode sobrepor-se à previsão constitucional. Nestes termos, a expressão “Hospital Municipal” ou “Unidade de Atendimento Municipal” pode significar qualquer coisa, menos que seja uma estrutura cujas portas se fecham de acordo com o endereço apresentado pelo cidadão na recepção. Isso vale para a Universidade Federal que é “de Uberlândia” apenas no nome: não no financiamento, na concepção, no âmbito de atuação e na abrangência. O art. 197, § 1º, da CF/88, prevê que o sistema único de saúde será financiado com recursos do orçamento da seguridade social, envolvendo os três entes da Federação: União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Ou seja: nada no SUS é tão puramente “local” que justifique a exclusão de cidadãos de outros municípios. É um sistema regionalizado para operação e nacionalizado para atendimentos.
Outrossim, se alguém defende que a estrutura de Uberlândia atenda apenas quem tem endereço nos limites da cidade deveria pensar o seguinte. Uberlândia não é o último reduto da evolução técnico-científica do SUS. Há procedimentos que não estão disponíveis por aqui. É comum o cidadão que mora em Uberlândia ter que se socorrer em outros municípios de referências, no mais das vezes encaminhado pelo próprio SUS. Imagine se essas cidades praticassem a mesma política de veto e censura que Uberlândia praticava: quem mora em Uberlândia jamais poderia sair daqui para tentar uma alternativa de tratamento em outros municípios. Defender que cidadãos de outras cidades não tenham acesso ao serviço disponível em Uberlândia fica menos aceitável se se considerar que todo brasileiro, inclusive os que têm endereço em Uberlândia, poderá ter um dia, quem sabe, que “entrar em uma ambulância” e dirigir-se ao SUS de outro município em busca da esperança e da vida.
Anderson Rosa Vaz
Doutor em Direito. Professor da UFU

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Eleições em Uberlândia

A avaliação do processo eleitoral em Uberlândia possibilita interessantes reflexões. A primeira é que Gilmar Machado, que já figurava entre os congressistas mais importantes do Brasil, consagra-se definitivamente como um dos maiores nomes da política mineira e nacional. Negro, professor da rede estadual, evangélico, petista e eleito com esmagadores 214.681 votos para liderar a segunda maior cidade do Estado, a conclusão é inevitável: não há assunto da política nacional ou mineira que possa ser cogitado sem que o nome do filho nobre de Cascalho Rico seja lembrado. Consequência: as próximas eleições presidenciais, de senadores, de deputados federais e estaduais, têm na avenida Anselmo Alves dos Santos, 600, um dos endereços certos de articulação. Esse fenômeno, somado à capacidade dos irmãos Prados de gerarem votos, fazem do PT a primeira força política de Uberlândia.
Outro fator importante é que Odelmo Leão sai praticamente ileso do reverso com seu candidato. Em que pese os evidentes equívocos publicitários de campanha, o mérito do líder local do PP é ter personificado o modelo de gestão que se finda. A consequência perversa é inviabilizar um sucessor à altura – Felipe Attie, a julgar pelas urnas, é o que há de mais próximo nessa linhagem. De toda forma, a excessiva centralização de poder no gabinete gerou uma externalidade pré- anunciada e agora confirmada: surge, para além do PSDB e do PP, uma segunda força política. O grupo coordenado por Tenente Lúcio e Murilo elegeu sete vereadores e ainda conta com a simpatia e fidelidade de vereadores em outros partidos. Mais que isso. O PDT/PMN/PSDC/PPL obtiveram, juntos, mais de 81 mil votos na eleição proporcional – cifra absolutamente expressiva, comparada com partidos de grande projeção nacional e local, como o partido do prefeito, PP, com pouco mais de 35 mil votos (incluídos aí os votos do PR), o PSDB de Luiz Humberto, com pouco mais de 28 mil votos ou mesmo o PMDB, com apenas 18 mil votos (Paulo Vitiello e Adriano Zago saem fortalecidos neste partido).
Outro aspecto interessante desta eleição em Uberlândia tem relação com o assunto sobre a transferência de voto. Estudos indicam que a transferência é evidente quando o líder, candidato com alta popularidade (Lula e Aécio, por exemplo), apoia candidato que, em um primeiro momento, seja desconhecido do grande público (Dilma e Anastasia, por exemplo). Veja o caso atual de São Paulo. Desconhecido da massa, Haddad, do PT, nas primeiras pesquisas aparecia com menos de 10%. Apoiado por Lula e Dilma, 60 dias foram suficientes para desbancar Russomano e ir para o segundo turno com José Serra. Já em Belo Horizonte, a situação foi outra. Patrus, também do PT, é plenamente conhecido do público. No passado, foi prefeito de BH. Tentou voltar. Igualmente apoiado por Lula e Dilma, não foi sequer para o segundo turno. Esta é a mesma situação de Uberlândia.
Houve uma aposta de transferência de popularidade de Aécio, Anastasia e Odelmo para Luiz Humberto. Porém, esse candidato já era conhecido do público. Já foi candidato a prefeito no passado e é deputado estadual em segundo mandato. Para esse cenário, a transferência tende a não se efetivar.

sábado, 15 de setembro de 2012

Não vale a pena apostar em campanha de ataque e agressão: o caso de Uberlândia em números


A campanha do adversário de Gilmar partiu para o ataque e agressão. Para isso, tenta sugerir que votar em Gilmar Machado é voltar a um passado de “mal” governo: 2001-2004. Sem entrar no mérito da conhecida técnica maniqueísta do “bem versus mal”, vou apresentar uma reflexão em números para justificar o equívoco dessa aposta de campanha: a) em 2012, Uberlândia tem 620 mil habitantes; no ano 2000, ano daquela eleição, tinha 500 mil: de cara, 100 mil habitantes sequer existiam ou estavam em Uberlândia; b) em 2012, Uberlândia tem 450 mil eleitores; no ano 2000 tinha 325 mil. Significa que 125 mil eleitores (30%) sequer votavam aqui no ano 2000; para esses, os ataques simplesmente não faz sentido nenhum; c) estudos indicam que entre 30 e 50 por cento dos eleitores não se lembram em que votaram nas últimas eleições (menos de 4 anos); imagina em uma eleição de 12 anos atrás: quantos por cento vão se lembrar quem eram os candidatos a prefeito no ano 2000...e em quem votaram? Considerando que 50% não se lembra, tentar colar a imagem de Gilmar a um tal “mal” governo entre 2001 e 2003 só faz sentido para cerca de 150 mil eleitores, ou seja, cerca 35% dos atuais votantes de Uberlândia. Ocorre o seguinte. O prefeito que venceu a eleição de 2000, Zaire, ganhou de Luiz Humberto. Porém, possui um elevado índice de rejeição. É nisso que a publicidade do PSDB aposta. Ocorre que desconsideram um fator: Zaire é um senhor de 80 anos, educado, gentil, elegante, simpático. Conhecido pela capacidade democrática de ouvir, e atualmente estudando filosofia na UFU, ao apanhar tanto e ser transformado explicita e implicitamente em representante do atraso e do mal, Zaire transforma-se em vítima para parte dos 35% de eleitores que se lembram do que ocorreu no ano de 2000. Resultado: atacar Gilmar a partir das eventuais limitações do PMDB deve agradar cerca de 20% dos eleitores de Uberlândia. Os outros 80% podem não votar em Zaire (até porque ele não é candidato). Mas não se sentem bem ao ver o senhor de barba grisalha defenestrado em público sem espaço para se defender. Não há nenhum público do mundo que aprove linchamento e ataques. A não ser o público patológico. Publicitários deveriam estudar mais política. Políticos deviam ouvir menos os publicitários.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Desafios de Uberlândia: o local e o regional


Cravada no coração geográfico do Brasil, a Mesorregião do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba é formada por trinta e cinco municípios. Possui área física de cerca de 54 mil km² e mais de 1,6 milhão de habitantes. Considerados apenas os orçamentos públicos de cinco, destas trinta e cinco cidades – Uberlândia, Uberaba, Araguari, Araxá e Ituiutaba –, tem-se a fantástica cifra de mais de 3 bilhões de reais por ano apenas em orçamentos municipais. De economia diversificada – agropecuária, açúcar, álcool, café, minério, fumo, fertilizantes e alimentos –, a localização privilegiada faz a região destacar-se mundialmente por sua capacidade de logística e distribuição. Em Uberlândia, com saídas rodoviárias para todo o Brasil, estão as cinco maiores atacadistas do país. São mais de mil empresas de logísticas, e uma frota de cerca de 11 mil caminhões. Uberaba, sede da ABCZ, é conhecida mundialmente como a capital do zebu. As cidades de Araguari e Patrocínio destacam-se nacionalmente pela produção em larga escala de café do cerrado, com destaque para a história e potencial ferroviário de Araguari. Araxá está entre as maiores referências de exploração de minérios raros do mundo.

A região do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba possui, ainda, promissor potencial tecnológico e educacional. Uberlândia, possui vinte e duas instituições de ensino superior, dentre as quais a Universidade Federal de Uberlândia com orçamento anual de cerca de 1,1 bilhão de reais e campi avançados em Ituiutaba, Monte Carmelo e Patos de Minas. Só em Uberlândia há cerca de setenta mil pessoas com ensino superior completo. Uberaba possui dez entidades de ensino superior, com destaque para a tradição da UNIUBE, atuante desde 1947 e Universidade Federal do Triângulo Mineiro, com atuação desde 1953. Não se desconsidere o Instituto Federal do Triangulo Mineiro, com atuação em Patrocínio, Uberlândia, Uberaba, Ituiutaba e Paracatu, além do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, com presença marcante em Araxá.

No centro dessa fantástica rede de relações sociais, culturais, políticas, econômicas e jurídicas, está a cidade de Uberlândia: a segunda maior de Minas Gerais e terceira maior do interior do Brasil – empatada com Ribeirão Preto, atras apenas de Campinas e São José dos Campos. Com vocação local para o desenvolvimento, é inevitável que Uberlândia assuma, de forma planejada, os desafios de liderar o fortalecimento integrado da região: isso é regionalização.

Circula, em alguns espaços locais, uma campanha contra a regionalização do Hospital Municipal, sob o argumento de que essa importante obra pertence apenas ao “povo de Uberlândia”. Sem entrar no mérito deste pensamento frágil, a questão é que não há ninguém defendendo a regionalização do Hospital Municipal. O Hospital é local, e assim continuará. O debate que precisa ser feito é absolutamente mais complexo e promissor: se Uberlândia tem condições políticas e quadros técnicos capazes de intensificar seu progresso liderando a região para que possamos desenvolver juntos.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

MANIFESTO DOS JURISTAS UBERLANDENSES EM APOIO A GILMAR MACHADO

"Nós, profissionais do Direito abaixo-assinados, atentos aos ditames da Constituição Federal e da Lei Orgânica do Município de Uberlândia, unimos nossos esforços em defesa da ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, dos Direitos Fundamentais e da Justiça Social.

Afirmamos a necessidade do aperfeiçoamento da cultura do respeito ao interesse público e, no tocante às instituições locais, entendemos como melhor caminho o da gestão republicana e democrática, alicerçada na força normativa dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, tendo como metas de atuação o desenvolvimento sustentável, nas perspectivas econômica, social, ambiental e fiscal.

Nesse sentido, indicamos a transparência, o controle social e a efetividade da Lei de Acesso à Informação como meios indispensáveis para o aprimoramento das relações entre o Estado e a sociedade locais. Defendemos o fortalecimento e a autonomia de órgãos e mecanismos de controle da Administração Pública Municipal (Procuradoria, Controladoria, Contabilidade, Tesouraria e Ouvidoria), legitimados por atuação procedimental técnica e pela efetiva profissionalização do serviço público municipal e valorização dos servidores efetivos. Afirmamos a importância de o Município de Uberlândia assumir o papel de protagonista na formação de quadros políticos, jurídicos e técnicos a partir de convênios e parcerias com Universidades, Faculdades, Institutos e Associações, bem como a criação de uma Escola de Governo de referência.

Nestes termos, explicitamos a identificação no Programa de Governo, bem como na trajetória política, do candidato a Prefeito Gilmar Machado, as melhores condições para a implementação dessas políticas e serviços de gestão pública local."

P.S. O documento poderá ser assinado na Livraria Jurídica Universal, na av. João Naves de Ávila, 2046. Na UFU, com o Prof. Alexandre Walmott. Na UNIPAC, com o Prof. Paulo Roberto Santos. Na UNIUBE, com o Prof. Alexandre Correa.



quinta-feira, 31 de maio de 2012

Novo cenário político de Uberlândia - PT/PMDB/PDT


As recentes movimentações partidárias em Uberlândia são cenários férteis para reflexões políticas. Com características oligárquicas, a história do poder local passa, necessariamente, pela baixa mobilidade política por aqui dominante desde as primeiras décadas do século XX, quando se organiza a cidade em torno de dois grupos: os cocões, ligados à UDN (Virgílio Rodrigues da Cunha, Cotta Pacheco, Constantino Rodrigues da Cunha, Adolfo Fonseca e Silva, Custódio da Costa Pereira, Marques Povoa, Alexandre de Oliveira Marquez, Antônio Crescêncio, Joaquim Fonseca, Nicomedes Alves dos Santos, Carmo Giffoni e Rondon Pacheco) e os coiós, ligados ao PSD (Olímpio de Freitas Costa, cel. Antônio Alves Pereira, Marcos de Freitas Costa, João Naves de Ávila, Abelardo Penna, Fernando Vilela, Paes Leme, Rivalino Pereira e Renato de Freitas).

Com o golpe militar de 1964, Uberlândia ganha projeção nacional, principalmente a partir da proximidade destacada de Rondon Pacheco junto aos militares. No contexto local, Renato de Freitas assume a Prefeitura (67-69) e será sucedido da seguinte forma: Virgílio Galassi (70-73); Renato de Freitas (74-77); Virgilio Galassi (78-82); Zaire Resende (83-88); Virgilio Galassi (89-92); Paulo Ferolla (93-98); Virgilio Galassi (97-2000); Zaire Resende (2001-2004); Odelmo Leão (2005-2012).

A questão interessante é a seguinte: todos os prefeitos de Uberlândia, sem exceção, estão ligados a um desses dois grupos dominantes: cocão/UDN ou coió/PSD. Certamente, o maior distanciamento fica por conta de Zaire Resende. Responsável por apresentar uma opção política ao Município de Uberlândia, Zaire é neto do cel. Thomaz Ferreira de Rezende e recebeu apoio de parte dos coiós descontentes com os militares. Líder democrático, venceu adversários históricos como Renato de Freitas e Aldorando Dias de Souza. Vale lembrar que o candidato de Virgílio Galassi (cocão), derrotado por Zaire em 2000, era Luiz Humberto Carneiro (cocão), que agora é o candidato de Odelmo Leão (cocão).

O que há de novo e empolgante é que nessas eleições de 2012 o pêndulo de forças desloca-se para um espaço alternativo de poder no qual as oligarquias locais não exercem domínio. A pré-candidatura articulada pelo PT, unido em torno de Gilmar Machado, já seria o suficiente para essa constatação. Mas há, ainda, um fator potencializador que, se confirmado, significaria a mais ousada proposta de ruptura oligárquica: a possibilidade, ainda sussurrada, de que o vice prefeito de Gilmar seja do PDT. A força política desse grupo mostra-se evidente. Com 108 pré-candidatos a vereadores, sob a coordenação do Ten. Lucio e articulados com PPL, de Jerônima Carlesso, o PSDC, de Márcio Nobre, e PMN de José Manoel Pacheco, o grupo deu provas da capacidade de mobilização ao reunir cerca de quatro mil pessoas no Center Convention no último dia 14 para declarar apoio ao pré candidato petista.

A decisão sobre a vaga de vice, é notório, compete apenas ao candidato majoritário. Porém, a sinalização alternativa PT/PDT, até pouco tempo sequer cogitada, mostra enfraquecimento das oligarquias locais. Independentemente do desfecho, o avanço é evidente: ponto para a República.

quarta-feira, 14 de março de 2012

DISCURSO DO PRESIDENTE JOÃO GOULART NO COMÍCIO DA CENTRAL DE 13 DE MARÇO DE 1964



Devo agradecer às organizações sindicais, promotoras desta grande manifestação, devo agradecer ao povo brasileiro por esta demonstração extraordinária a que assistimos emocionados, aqui nesta cidade do Rio de Janeiro. Quero agradecer, também, aos sindicatos quem de todos os estados mobilizaram os seus associados, dirigindo minha saudação a todos os patrícios, neste instante mobilizados em todos os recantos do país, e ouvindo o povo através do rádio ou da televisão. Dirijo-me a todos os brasileiros, e não apenas aos que conseguiram adquirir instrução nas escolas. Dirijo-me também aos milhões de irmãos nossos que dão ao Brasil mais do que recebem e que pagam em sofrimento, pagam em miséria, pagam em privações, o direito de serem brasileiros e o de trabalhar de sol a sol pela grandeza deste país. Presidente de oitenta milhões de brasileiros, quero que minhas palavras sejam bem entendidas por todos os nossos patrícios. Vou falar em linguagem (...) rude, mas que é sincera e sem subterfúgios. É também a linguagem de esperança, de quem quer inspirar confiança no futuro, mas de quem tem a coragem de enfrentar sem fraquezas a dura realidade que vivemos.
Aqui estão os meus amigos trabalhadores, pensando na campanha de terror ideológico e de sabotagem, cuidadosamente organizada para impedir ou perturbar a realização deste memorável encontro entre povo e o seu Presidente, na presença das lideranças populares mais representativas deste país, que se encontram também conosco, nesta festa cívica.
Chegou-se a proclamar, trabalhadores brasileiros, que esta concentração seria um ato atentatório ao regime democrático como se no Brasil a reação ainda fosse dona da democracia, ou proprietária das praças e ruas. Desgraçada democracia a que tiver de ser defendida por esses democratas. Democracia para eles não é o regime da liberdade de reunião para o povo. O que eles querem é uma democracia de um povo emudecido, de um povo abafado nos seus anseios, de um povo abafado nas suas reivindicações. A democracia que eles desejam impingir-nos é a democracia do anti-sindicato, ou seja, aquela que melhor atenda aos seus interesses ou aos dos grupos que eles representam. A democracia que eles pretendem é a democracia dos privilégios, a democracia da intolerância e do ódio. A democracia que eles querem, trabalhadores, é para liquidar com a Petrobrás, é a democracia dos monopólios, nacionais e internacionais, a democracia que pudesse lutar contra o povo, a democracia que levou o grande Presidente Vargas ao extremo sacrifício. Ainda ontem eu afirmava no Arsenal de Marinha, envolvido pelo calor dos trabalhadores de lá, que a democracia jamais poderia ser ameaçada pelo povo, quando o povo livremente vem para as praças – as praças que são do povo. Para as ruas – que são do povo.
Democracia, trabalhadores, é o que o meu governo vem procurando realizar, como é do meu dever. Não só para interpretar os anseios populares, mas também para conquistá-los pelo caminho do entendimento e da paz. Não há ameaça mais séria para a democracia do que tentar estrangular a voz do povo, dos seus legítimos líderes populares, fazendo calar as sua reivindicações.
Estaríamos, assim, brasileiros, ameaçando o regime se nos mostrássemos surdos aos reclamos da Nação, desta Nação e desses reclamos que, de Norte a Sul, de Leste a Oeste, levantam o seu grande clamor pelas reformas de base e de estrutura, sobretudo pela reforma agrária, que será o complemento da abolição do cativeiro para dezenas de milhões de brasileiros, que vegetam no interior, em revoltantes condições de miséria. Ameaça à democracia, enfim, não é vir confraternizar com o povo na rua. Ameaça à democracia é empulhar o povo brasileiro, é explorar os seus sentimentos cristãos, na mistificação de uma indústria do anticomunismo, insurgindo o povo até contra os grandes e iluminados ensinamentos dos grandes e santos Papas que informam notáveis pronunciamentos, das mais expressivas figuras do episcopado nacional. O inolvidável Papa João XXIII é que nos ensina, povo brasileiro, que a dignidade da pessoa humana exige normalmente, como fundamento natural para a vida, o direito e o uso dos bens da terra, ao qual corresponde a obrigação fundamental de conceder uma propriedade para todos. É dentro desta autêntica doutrina que o governo brasileiro vem procurando situar sua política social, particularmente no que diz respeito à nossa realidade agrária. O cristianismo nunca foi o escudo para privilégios condenados para o Santo Padre, nem também, brasileiro, os rosários podem ser levantados contra a vontade do povo e as sua aspirações mais legítimas. Não podem ser levantados os rosários da fé contra o povo, que tem fé numa justiça social mais humana e na dignidade das suas esperanças. Os rosários não podem ser erguidos contra aqueles que reclamam a discriminação da propriedade da terra, hoje ainda em mãos de tão poucos, de tão pequena maioria.
Àqueles que reclamam do Presidente da República uma palavra tranqüila para a Nação, àqueles que em todo o Brasil nos ouvem nesta oportunidade, o que eu posso dizer é que só conquistaremos a paz social através da justiça social. Perdem seu tempo, também, os que temem que o governo passe a empreender uma ação subversiva na defesa de interesses políticos ou pessoais, como perdem também seu tempo os que esperam deste governo uma ação repressiva dirigida contra o povo, contra os seus direitos ou contra as suas reivindicações. Ação repressiva, trabalhadores, é a que o governo está praticando e vai ampliar
cada vez mais e mais implacavelmente, aqui na Guanabara e em outros Estados, contra aqueles que especulam, contra as dificuldades do povo, contra os que exploram o povo, que sonegam gêneros alimentícios ou que jogam com seus preços. Ainda ontem, dentro de associações de cúpula de classes conservadoras, ibadianos de ontem levantaram a voz contra o Presidente pelo crime de defender o povo contra os que o exploram na rua e em seus lares, através da exploração e da ganância.
Mas não tiram o sono as manifestações de protestos dos gananciosos, mascaradas de frases patrióticas, mas que, na realidade, traduzem suas esperanças e seus propósitos de restabelecer impunidade para suas atividades antipopulares e anti-sociais. Por outro lado, não receio ser chamado de subversivo pelo fato de proclamar – e tenho proclamado e continuarei proclamando nos recantos da Pátria – a necessidade da revisão da Constituição. Há necessidade, trabalhadores, da revisão da Constituição da nossa República, que não atende mais aos anseios do povo e aos anseios do desenvolvimento desta Nação. A Constituição atual, trabalhadores, é uma Constituição antiquada, porque legaliza uma estrutura sócio-econômica já superada, uma estrutura injusta e desumana. O povo quer que se amplie a democracia, quer que se ponha fim aos privilégios de uma minoria; quer que a propriedade da terra seja acessível a todos; que a todos seja facilitado participar da vida política do país, através do voto, podendo votar e ser votado; que se impeça a intervenção do poder econômico nos pleitos eleitorais e que seja assegurada à representação de todas as correntes políticas, sem quaisquer discriminações, ideológicas ou religiosas.
Todos, todos os brasileiros, todos têm o direito à liberdade de opinião, de manifestar também sem temor seu pensamento. É um princípio fundamental dos direitos do homem, contido na própria Carta das Nações Unidas, e que temos o dever de assegurar a todos os brasileiros. Está nisso, trabalhadores, está nisso, povo brasileiro, o sentido profundo desta grande e incalculável multidão que presta, neste instante, sua manifestação ao Presidente, que vem também lhe prestar conta de seus problemas, mas também de suas atitudes e de sua convicções nas lutas que vem enfrentando, luta contra forças poderosas, mas confiando sempre na unidade do povo e das classes trabalhadoras, unidade que há de encurtar o caminho da nossa emancipação. É apenas de se lamentar que parcelas ainda ponderáveis que tiveram acesso à instrução superior continuem insensíveis, de olhos e ouvidos fechados à realidade nacional. São, certamente, trabalhadores, os piores surdos e os piores cegos, porque poderão com tanta surdez e com tanta cegueira, ser, amanhã, responsáveis, perante a História, pelo sangue brasileiro que possa ser derramado, ao pretenderem levantar obstáculos à caminhada do Brasil e à emancipação do povo brasileiro.
De minha parte, à frente do Poder Executivo, tudo continuarei fazendo para que o processo democrático siga o caminho pacífico, para que sejam derrubadas as barreiras que impedem a conquista de novas etapas e do progresso. E podeis estar certos, trabalhadores, de que juntos, governo e povo, operários, camponeses, militares, estudantes, intelectuais e patrões brasileiros que colocam os interesses da Pátria acima de seus interesses, haveremos de prosseguir, e prosseguir de cabeça erguida, a caminhada da emancipação social do país. O nosso lema, trabalhadores do Brasil, é progresso com justiça, e desenvolvimento com igualdade. A maioria dos brasileiros já não se conforma com a ordem social imperfeita, injusta e desumana. Os milhões que nada têm se impacientam com a demora, já agora quase insuportável, em receber os dividendos de um progresso tão duramente construído também com o esforço dos trabalhadores e o sacrifício dos humildes. Vamos continuar lutando pela construção de novas usinas, pela abertura de novas estradas, pela implantação de mais fábricas, de novas escolas, de hospitais para o povo sofredor; mas sabemos, trabalhadores, que nada disso terá sentido profundo se ao homem não for assegurado o sagrado direito ao trabalho e a uma justa participação no desenvolvimento nacional.
Não, trabalhadores; não, brasileiros: sabemos muito bem que de nada vale ordenar a miséria neste país. Nada adianta dar-lhe aquela aparência bem comportada com que alguns pretendem iludir e enganar o povo brasileiro. Meus patrícios, a hora é a hora da reforma, brasileiros, reforma de estrutura, reforma de métodos, reforma de estilo de trabalho e reforma de objetivo para o povo brasileiro. Já sabemos que não é mais possível produzir sem reformar, que não é mais possível admitir que esta estrutura ultrapassada possa realizar o milagre da salvação nacional, para milhões e milhões de brasileiros, da portentosa civilização industrial, porque dela conhecem apenas a vida cara, as desilusões, o sofrimento e as ilusões passadas. O caminho das reformas é o caminho do progresso e da paz social. Reformar, trabalhadores, é solucionar pacificamente as contradições de uma ordem econômica e jurídica superada, inteiramente superada pela realidade dos momentos em que vivemos.
Trabalhadores, acabei de assinar o decreto da Supra. Assinei-o, meus patrícios, com o pensamento voltado para a tragédia do irmão brasileiro que sofre no interior de nossa Pátria. Ainda não é aquela reforma agrária pela qual lutamos. Ainda não é a reformulação do nosso panorama rural empobrecido. Ainda não é a carta de alforria do camponês abandonado. Mas é o primeiro passo: uma porta que se abre à solução definitiva do problema agrário brasileiro.
O que se pretende com o decreto que considera de interesse social, para efeito de desapropriação, as terras que ladeiam eixos rodoviários, leitos de ferrovias, açudes públicos federais, e terras beneficiadas por obras de saneamento da União, é tornar produtivas áreas inexploradas ou subtilizadas, ainda submetidas a
um comércio especulativo, odioso e intolerável.
Não é justo que o benefício de uma estrada, de um açude ou de uma obra de saneamento vá servir aos interesses dos especuladores de terra, que se apoderam das margens das estradas e dos açudes. A Rio-Bahia, por exemplo, que custou setenta bilhões de dinheiro do povo, não deve beneficiar os latifundiários, pela multiplicação do valor de suas propriedades, mas sim do povo.
Não o podemos fazer, por enquanto, trabalhadores, como é de prática corrente em todos os países do mundo civilizado: pagar a desapropriação de terras abandonadas em títulos da dívida pública e a longo prazo.
Reforma Agrária com pagamento prévio do latifúndio improdutivo, à vista e em dinheiro, não é reforma agrária. Reforma agrária, como consagrado na Constituição, com pagamento prévio e a dinheiro é negócio agrário, que interessa apenas ao latifundiário, radicalmente oposto aos interesses do povo brasileiro. Por isso de decreto da Supra não é a reforma agrária.
Sem reforma constitucional, trabalhadores, não há reforma agrária autêntica. Sem emendar a Constituição, que tem acima dela o povo, poderemos ter leis agrárias honestas e bem intencionadas, mas nenhuma delas capaz de modificações estruturais profundas.
Graças à colaboração patriótica e técnica das nossas gloriosas Forças Armadas, em convênios realizados com a Supra, graças a essa colaboração, meus patrícios, espero que dentro de menos de sessenta dias já comecem a ser divididos os latifúndios das beiras das estradas, os latifúndios ao lado das ferrovias e dos açudes construídos com o dinheiro do povo, ao lado das obras de saneamento realizadas com o sacrifício da Nação. E, feito isto, os trabalhadores do campo já poderão, então, ver concretizada, embora em parte, a sua mais sentida e justa reivindicação, aquela que lhes dará um pedaço de terra para cultivar. Aí, então, o trabalhador e sua família irão trabalhar para si próprios, porque até aqui eles trabalharam para o dono da terra, a quem entregam, como aluguel, metade de sua produção. E não se diga, trabalhadores, que há meio de se fazer à reforma sem mexer a fundo na Constituição. Em todos os países civilizados do mundo já foi suprido do texto constitucional aquela parte que obriga a desapropriação por interesse social, a pagamento prévio, a pagamento em dinheiro.
No Japão de pós-guerra, há vinte anos, ainda ocupado pelas forças aliadas vitoriosas, sob o patrocínio do comando vencedor, foram distribuídos dois milhões e meio de hectares das melhores terras do país, com indenizações pagas em bônus com vinte e quatro anos de prazo, juros de 3,65% ao ano. E quem é que se lembrou de chamar o Gen. Macarthur de subversivo ou extremista?
Na Itália, ocidental e democrática, foram distribuídos um milhão de hectares, em números redondos, na primeira fase de uma reforma agrária cristã e pacífica iniciada há quinze anos. Cento e cinqüenta mil famílias foram beneficiadas.
No México, durante os anos de 1932 a 1945, foram distribuídas trinta milhões de hectares, com pagamento das indenizações em títulos da dívida pública, vinte anos de prazo, juros de 5% ao ano, e desapropriação dos latifúndios com base no valor fiscal.
Na Índia foram promulgadas leis que determinam a abolição da grande propriedade mal aproveitada, transferindo as terras para os camponeses. Essas leis abrangem cerca de sessenta e oito milhões de hectares, ou seja, a metade da área cultivada da Índia.
Portanto, não existe argumento capaz de poder afirmar que no Brasil, uma nação jovem, que se projeta para o futuro, não se possa também fazer a reforma da Constituição para a reforma agrária autêntica e verdadeira.
A reforma agrária não é capricho de um governo ou programa de um partido. É produto da inadiável necessidade de todos os povos do mundo. Aqui, no Brasil, constitui a legenda mais viva da esperança do nosso povo, sobretudo daqueles que labutam no campo. A reforma agrária é também uma imposição progressista do mercado interno, que necessita aumentar a sua produção para sobreviver.
Os tecidos e os sapatos sobram nas prateleiras das lojas e as nossas fábricas estão produzindo muito abaixo de sua capacidade. Ao mesmo tempo em que isso acontece, as nossas populações mais pobres vestem farrapos e andam descalças, porque não têm dinheiro para comprar.
Assim, a reforma agrária é indispensável, não só para aumentar o nível de vida do homem do campo, mas, também, para dar mais trabalho às indústrias e melhor remuneração ao trabalhador urbano.
Interessa, por isso, também a todos os industriais e aos comerciantes. A reforma agrária é necessária, enfim, à nossa vida social e econômica, para que o país possa progredir, em sua indústria, e no bem-estar do seu povo.
Como garantir o direito de propriedade autêntica quando, dos quinze milhões de brasileiros que trabalham a terra, no Brasil, apenas dois milhões e meio são proprietários?
O que estamos pretendendo fazer no Brasil, pelo caminho da reforma agrária, não é diferente, pois, do que se fez em todos os países desenvolvidos do mundo. É uma etapa de progresso que precisamos conquistar e haveremos de conquistar.
Esta manifestação deslumbrante que presenciamos é um testemunho vivo de que a reforma agrária será
conquistada para o povo brasileiro. O próprio custo da produção, trabalhadores, o próprio custo dos gêneros alimentícios está diretamente subordinado às relações entre o homem e a terra. Num país em que se paga aluguéis da terra que sobem a mais de 50% da produção obtida daquela terra, não pode haver gêneros baratos, não pode haver tranqüilidade social. No meu Estado, por exemplo, o Estado do Dep. Leonel Brizola, 65% da produção de arroz é obtida em terras alugadas e o arrendamento ascende a mais de 55% do valor da produção. O que ocorre no Rio Grande é que um arrendatário de terras para o plantio de arroz paga, em cada ano, o valor total da terra que ele trabalhou para o proprietário. Esse inquilino rural desumano e medieval é o grande responsável pela produção insuficiente e cara que torna insuportável o custo de vida para as classes populares em nosso país.
A reforma agrária só prejudica uma minoria de insensíveis, que deseja manter o povo escravo e a Nação submetida a um miserável padrão de vida.
E é claro, trabalhadores, que só se pode iniciar uma reforma agrária em terras economicamente aproveitáveis. É claro que não poderíamos começar a reforma agrária, para atender os anseios do povo, nos Estados do Amazonas ou do Pará. A reforma agrária deve ser iniciada nas terras mais valorizadas e ao lado dos grandes centros de consumo, com transporte fácil para o seu escoamento.
Governo nenhum, trabalhadores, povo nenhum, por maior que seja o seu esforço, e até mesmo o seu sacrifício, poderá enfrentar o monstro inflacionário que devora os salários, que inquieta o povo assalariado, se não forem efetuadas as reformas de estrutura e de base exigidas pelo povo e reclamada pela Nação.
Tenho autoridade para lutar pela reforma da atual Constituição, porque esta reforma é indispensável e porque o seu objetivo único e exclusivo é abrir o caminho para a solução harmônica dos problemas que afligem o nosso povo. Não me animam, trabalhadores - e é bom que a Nação me ouça –, quaisquer propósitos de ordem pessoal. Os grandes beneficiários das reformas serão, acima de todos, o povo brasileiro e os governos que me sucederão. A eles, trabalhadores, desejo entregar uma Nação engrandecida, emancipada e cada vez mais orgulhosa de si mesma, por ter resolvido mais uma vez, e pacificamente, os graves problemas que a História nos legou.
Dentro de 48 horas vou entregar à consideração do Congresso Nacional à mensagem presidencial deste ano. Nela, estão claramente expressas as intenções e os objetivos deste governo. Espero que os senhores congressistas, em seu patriotismo, compreendam o sentido social da ação governamental, que tem por finalidade acelerar o progresso deste país e assegurar aos brasileiros melhores condições de vida e trabalho, pelo caminho da paz e do entendimento, isto é, pelo caminho reformista, pacífico e democrático.
Mas estaria faltando ao meu dever se não transmitisse, também, em nome do povo brasileiro, em nome destas cento e cinqüenta ou duzentas mil pessoas que aqui estão, caloroso apelo ao Congresso Nacional para que venha ao encontro das reivindicações populares, para que, em seu patriotismo, sinta os anseios da Nação, que quer abrir caminho, pacífica e democraticamente, para melhores dias. Mas também, trabalhadores, quero referir-me a um outro ato que acabo de assinar, interpretando os sentimentos nacionalistas deste país. Acabei de assinar, antes de dirigir-me para esta grande festa cívica, o decreto de encampação de todas as refinarias particulares.
A partir de hoje, trabalhadores brasileiros, a partir deste instante, as refinarias de Capuava, Ipiranga, Manguinhos, Amazonas e Destilaria Rio-Grandense passam a pertencer ao povo, passam a pertencer ao patrimônio nacional.
Procurei, trabalhadores, depois de estudos cuidados elaborados por órgãos técnicos, depois de estudos profundos, procurei ser fiel ao espírito da lei que foi inspirada nos ideais patrióticos e imortais de um brasileiro que também continua imortal em nossa alma e nosso espírito.
Ao anunciar, à frente do povo reunido em praça pública, o decreto de encampação de todas as refinarias de petróleo particulares, desejo prestar homenagem de respeito àquele que sempre esteve presente nos sentimentos do nosso povo, o grande e imortal Presidente Getúlio Vargas.
O imortal e grande patriota tombou, mas o povo continua a caminhada, guiado pelos seus ideais. E eu, particularmente, vivo hoje momento de profunda emoção ao poder dizer que, com este ato, soube interpretar o sentimento do povo brasileiro.
Alegra-me ver, também, o povo reunido para prestigiar medidas como esta, da maior significação para o desenvolvimento do país e que habilita o Brasil a aproveitar melhor as suas riquezas minerais, especialmente as riquezas criadas pelo monopólio do petróleo. O povo estará sempre presente nas ruas e nas praças públicas, para prestigiar um governo que pratica atos como estes, e também para mostrar às forças reacionárias que há de continuar a sua caminhada, no rumo da emancipação nacional.
Na mensagem que enviei à consideração do Congresso Nacional estão igualmente consignadas duas outras reformas que o povo brasileiro reclama, porque é exigência do nosso desenvolvimento e da nossa democracia. Refiro-me à reforma eleitoral, à reforma ampla que permita a todos os brasileiros maiores de 18 anos ajudar a decidir dos seus destinos, que permita a todos os brasileiros que lutam pelo engrandecimento do país a influir nos destinos gloriosos do Brasil. Nesta reforma, pugnamos pelo
princípio democrático, princípio democrático fundamental, de que todo alistável deve ser também elegível.
Também está consignada na mensagem ao Congresso a reforma universitária, reclamada pelos estudantes brasileiros, pelos universitários de classe que sempre tem estado corajosamente na vanguarda de todos os movimentos populares e nacionalistas.
Ao lado dessas medidas e desses decretos, o governo continua examinando outras providências de fundamental importância para a defesa do povo, especialmente das classes populares.
Dentro de poucas horas, outro decreto será dado ao conhecimento da Nação. É o que vai regulamentar o preço extorsivo dos apartamentos e residências desocupados, preços que chegam a afrontar o povo e o Brasil, oferecidos até mediante o pagamento em dólares. Apartamento, no Brasil, só pode e só deve ser alugado em cruzeiros, que é dinheiro do povo e a moeda deste país. Estejam tranqüilos que dentro em breve esse decreto será uma realidade.
E realidade há de ser também a rigorosa e implacável fiscalização para que seja cumprido. O governo, apesar dos ataques que tem sofrido, apesar dos insultos, não recuará um centímetro sequer na fiscalização que vem exercendo contra a exploração do povo. E faço um apelo ao povo para que ajude o governo na fiscalização dos exploradores do povo, que são também exploradores do Brasil. Aqueles que desrespeitam a lei, explorando o povo – não interessa o tamanho de sua fortuna, nem de seu poder, esteja ele em Olaria ou na rua do Acre – hão de responder perante a lei pelo seu crime.
Aos servidores públicos da Nação, aos médicos, aos engenheiros do serviço público, que também não me têm faltado com seu apoio e o calor de sua solidariedade, posso afirmar que suas reivindicações justas estão sendo objeto de estudo final e que em breve serão atendidas. Atendidas porque o governo deseja cumprir o seu dever com aqueles que permanentemente cumprem o seu para com o país.
Ao encerrar, trabalhadores, quero dizer que me sinto reconfortado e retemperado para enfrentar a luta que tanto maior será contra nós quanto mais perto estivermos do cumprimento do nosso dever. À medida que esta luta apertar, sei que o povo também apertará sua vontade contra aqueles que não reconhecem os direitos populares, contra aqueles que exploram o povo e a Nação.
Sei das reações que nos esperam, mas estou tranqüilo, acima de tudo porque sei que o povo brasileiro já está amadurecido, já tem consciência da sua força e da sua unidade, e não faltará com seu apoio às medidas de sentido popular e nacionalista.
Quero agradecer, mais uma vez, esta extraordinária manifestação em que os nossos mais significativos líderes populares vieram dialogar com o povo brasileiro, especialmente com o bravo povo carioca, a respeito dos problemas que preocupam a Nação e afligem todos os nossos patrícios.
Nenhuma força será capaz de impedir que o governo continue a assegurar absoluta liberdade ao povo brasileiro. E, para isto, podemos declarar, com orgulho, que contamos com a compreensão e o patriotismo das bravas e gloriosas Forças Armadas da Nação.
Hoje, com o alto testemunho da Nação e com a solidariedade do povo, reunido na praça que só ao povo pertence, o governo, que é também o povo e que também só ao povo pertence, reafirma os seus propósitos inabaláveis de lutar com todas as suas forças pela reforma da sociedade brasileira. Não apenas pela reforma agrária, mas pela reforma tributária, pela reforma eleitoral ampla, e pelo voto do analfabeto, pela elegibilidade de todos os brasileiros, pela pureza da vida democrática, pela emancipação econômica, pela justiça social e pelo progresso do Brasil.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Introdução ao Direito: Teoria do Direito - Apresentação à Segunda Edição

Por uma teoria crítica do Direito

(Apresentação à Segunda Edição do livro de Introução ao Direito, Prof. Dr. Anderson Rosa Vaz http://www.jurua.com.br/shop_item.asp?id=22469)

A primeira edição deste livro teve ótima acolhida. A linguagem simplificada, combinada com tratamento horizontal e interdisciplinar que se deu aos temas abordados, facilita a compreensão de assuntos não necessariamente de fácil trato. Há algum tempo, contudo, esperava-se uma segunda edição. Resisti o quanto pude. Minhas limitações são evidentes e justificam a demora. Agora, incentivado pelos amigos, submeto às considerações e críticas da comunidade o presente texto. Mantive a mesma estrutura, o mesmo estilo, porém com ampliações de conteúdo e correções. Em especial, chamo atenção para a inclusão da temática dos Direitos Humanos e Direitos Fundamentais, como tentativa de minimizar a tendência privatística que ainda domina a teoria do direito e da qual esse livro ainda é refém. Incluí também, ao longo do texto, uma série de citações de jurisprudências ilustrativas que podem servir de mecanismo de reforço de aprendizagem bem como despertar alunos e professores para uma prática ainda negligenciada nas academias: análise das decisões do Poder Judiciário.
 
É preciso esforço para contrariar uma tendência opressora e alienadora nos Cursos de Direito que, infelizmente, conta com a adesão de muitos professores e imposição de várias Instituições: a sustentação de cursos jurídicos apenas em apostilas, guias e resumos. Não se deve ignorar o poder dos livros e o direito a ser achado na rua.
Estou convencido de que nós, professores, temos um compromisso com a causa social e republicana: vencer a apatia e a falta de perspectiva crítica que domina os cursos jurídicos no país. Há diversas maneiras de se construir esse caminho, sem perder as habilidades e as competências técnicas tão caras à formação do bacharel em direito. Acredito na formação complexa, criativa, politizada, problematizada e radicalmente estruturada sobre os firmes alicerces dos fundamentos do direito – teoria do direito, política, história, antropologia, economia, filosofia, geografia, sociologia, psicologia, linguagem e argumentação –, e na efetiva e real valorização do direito constitucional – ainda tão mal dimensionado nas matrizes curriculares das faculdades brasileiras. Trata-se necessariamente de politizar e publicizar o estudo do direito.
A dissociação patológica, e inconsciente para a maioria, entre direito, política e poder deve ser combatida. Alunos e professores – quando muito – falam sobre teorias, classificações e posições de uma ou outra doutrina. Mas não conseguem compreender, sentir, muito menos participar dos assuntos e problemas do mundo, do país, da região e muito menos da cidade. Há muito direito lá fora, na rua, no espaço vivo. Práticas pedagógicas simples e não necessariamente novas como pesquisas de campo, leituras literárias, leituras de mídias (recomendo com entusiasmo, dentre outras possíveis, Carta Capital, Caros Amigos e Le Monde Diplomatique Brasil) e a indicação de filmes apropriados, são praticamente ignoradas como mecanismos de aprendizagem no ensino jurídico.
Os concursos públicos no Brasil, bem assim o legítimo e constitucional Exame da Ordem dos Advogados do Brasil, tiveram grande responsabilidade nessa despolitização e apatia imperante. Questões que, na maioria das vezes, esperava que o aluno candidato apresente habilidades de memorização de texto de leis ou mesmo classificações doutrinárias. Consequência: gerações sucessivas de professores, alunos, advogados, promotores, juízes, procuradores, defensores, delegados, analistas e consultores sem nenhuma habilidade, atitude ou capacidade que não fosse a de decorar textos veiculadores de normas – sem sequer identificar no texto a própria norma. Essa tendência está em declínio. Os concursos estão cada vez mais sofisticados. A OAB, por meio de suas Comissões, tem debatido o assunto. O ENADE tem apontando um interessante caminho alternativo. É possível elaborar avaliações com questões complexas e inteligentes. A simples exigência de memorização, longe de ser erradicada, está perdendo seu espaço.
Outrossim, o ensino deve ser prospectivo; não retrospectivo. Exercício de criatividade, capacidade de problematização, produção de juízos e decisões, lidar com a complexidade dos saberes, aceitar a pluralidade e a divergência e demonstrar sensibilidade social são dinâmicas que devem ser perseguidas. Do ponto de vista da norma jurídica, no referente às habilidades desejadas em um jurísta, espera-se a interpretação, a compreensão, a capacidade crítica, a aplicação e a concretização. Não a mera memorização. Esse movimento hermenêutico deve ser intensificado, radicalizado mesmo. E o ponto de partida é a academia. Há muito o que fazer.
Devo agradecimentos a tantos que é inviável enumerar os amigos, críticos e alunos que participaram da elaboração dessa obra. Mas não posso deixar de mencionar três com quem aprendo sempre: Valdir Félix, cristão convicto, amigo e conselheiro prudente. Luiz Cesar Machado de Macedo, intelectual sempre pronto para o diálogo, tanto o político quanto o acadêmico. Luis Carlos Figueira de Melo, professor exemplar, advogado exímio, homem humilde, íntegro e honesto.
Acredito firmemente que determinamos nossos caminhos. Porém, não contralamos tudo. E no que nos escapa o trilho, apresentam-se os riscos desafiadores da vida. Superar limites e reerguer é condição vital. No meu caso, quando precisei, fui amparado, conduzido. Amor anônimo. Presente, provocador, mas sem a exigência da resposta. Amor leal que justifica a vida. Anuncia a paz e a esperança que haverá um amanhã. Essa declaração é para você: Amor sub rosa, para quem as flores foram feitas.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Sistema de Cotas Para Alunos de Escolas Públicas - por Marco Túlio Cunha

Várias universidades do Brasil têm travado grande discussão acerca do problema de falta de acesso ao ensino público superior aos alunos provenientes de escolas públicas na atualidade.
Segundo os defensores do sistema de cotas para alunos da rede pública, o intuito de sua criação seria proporcionar maior acesso destes alunos, principalmente nos cursos mais concorridos, tais como Medicina, Direito e engenharias, por exemplo, pois que, segundo estudos realizados, as escolas públicas têm se mostrado de qualidade inferior em relação às escolas particulares, provocando um distanciamento no nível de escolaridade entres estes.
No entanto, os que são contra o sistema de cotas para alunos de escolas públicas, principalmente alunos provenientes das escolas particulares, entendem que a instituição do sistema de cotas estaria ferindo a Constituição Federal que prevê o acesso à educação superior segundo a capacidade de cada um em igualdade de condições e que o fato de o aluno ser proveniente de escola pública não é seguramente sinônimo de ausência de capacidade de concorrer pela mesma vaga nas universidades públicas.
Há quem diga que a medida poderá causar ainda queda na qualidade da educação superior já que existe a possibilidade de os alunos que tiverem ingressado pelo sistema de cotas tenham mais dificuldade em acompanhar o rendimento do restante dos alunos, o que forçaria os professores a baixar o nível técnico das aulas.
Sem entrar no mérito da questão dos limites da autonomia didático-administrativa da universidade federal na instituição de programas alternativos, o que pretendo ressaltar é que não se olvida que a instituição de cotas para alunos egressos da rede pública é louvável e tem o fulcro de promover o acesso à educação também aos alunos provenientes de escolas públicas que, infelizmente, por “n” motivos, não estão estatisticamente falando, ingressando nos cursos mais concorridos das universidades federais.
Todavia, entendo que é criticável a adoção do sistema de cotas para alunos da rede pública dissociada de uma política pública de melhoria do ensino público fundamental e médio, pois que o sistema de cotas não deve servir simplesmente de solução paliativa para o notório e crescente descaso com a educação pública nestes níveis de ensino.
A ideia que desejo lançar à discussão neste artigo é que haja a instituição sim do sistema de cotas para os alunos da rede pública, mas que seja o sistema de cotas instituído em consonância com a melhoria do sistema de ensino público fundamental e médio, de modo a, ao menos, se equiparar em qualidade à escola pública à particular.
Neste sentido, seria muito mais coerente que o sistema de quotas viesse a ser instituído por lei em política pública nacional, associada a um programa sério de recuperação da qualidade das escolas públicas no ensino fundamental e médio, de modo que as cotas sejam instituídas por tempo determinado, ou seja, até que a última turma de alunos provenientes de escola pública antes desta “reforma” possa concorrer no sistema de cotas, quando após, deverá ser extinta por ausência de necessidade, e aí sim ter-se-á dado condições de acesso efetivo à educação superior para todos.
Marco Túlio Ribeiro Cunha
Mestrando em Direito/UFU