Política, Estado e Direito

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sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

O SUS e a inconstitucional exigência de comprovar endereço

Matéria do CORREIO de Uberlândia, publicada no dia 14/12/12, informa que a Justiça Federal determinou que a rede de saúde de Uberlândia atenda também a pacientes de outras cidades. A proibição de atendimento existia sob o argumento de que a estrutura do SUS aqui disponível era insuficiente para atender a própria população de Uberlândia; quanto mais a da região. A decisão judicial que determina o atendimento universal implica na necessidade de ajustes políticos e administrativos. Contudo, trata-se de decisão constitucional e legítima.
A Constituição Federal, em seu art. 19, inc. III, estabelece que é proibido à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios “criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.” Qualquer prática discriminatória negativa entre brasileiros que vise à exclusão de acesso a políticas e serviços públicos é inconstitucional. Significa que não importa o município onde o cidadão tenha nascido e muito menos o local de sua residência. O acesso ao SUS não pode ser negado em função de um endereço. O argumento da “viabilidade” da rede local não pode sobrepor-se à previsão constitucional. Nestes termos, a expressão “Hospital Municipal” ou “Unidade de Atendimento Municipal” pode significar qualquer coisa, menos que seja uma estrutura cujas portas se fecham de acordo com o endereço apresentado pelo cidadão na recepção. Isso vale para a Universidade Federal que é “de Uberlândia” apenas no nome: não no financiamento, na concepção, no âmbito de atuação e na abrangência. O art. 197, § 1º, da CF/88, prevê que o sistema único de saúde será financiado com recursos do orçamento da seguridade social, envolvendo os três entes da Federação: União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Ou seja: nada no SUS é tão puramente “local” que justifique a exclusão de cidadãos de outros municípios. É um sistema regionalizado para operação e nacionalizado para atendimentos.
Outrossim, se alguém defende que a estrutura de Uberlândia atenda apenas quem tem endereço nos limites da cidade deveria pensar o seguinte. Uberlândia não é o último reduto da evolução técnico-científica do SUS. Há procedimentos que não estão disponíveis por aqui. É comum o cidadão que mora em Uberlândia ter que se socorrer em outros municípios de referências, no mais das vezes encaminhado pelo próprio SUS. Imagine se essas cidades praticassem a mesma política de veto e censura que Uberlândia praticava: quem mora em Uberlândia jamais poderia sair daqui para tentar uma alternativa de tratamento em outros municípios. Defender que cidadãos de outras cidades não tenham acesso ao serviço disponível em Uberlândia fica menos aceitável se se considerar que todo brasileiro, inclusive os que têm endereço em Uberlândia, poderá ter um dia, quem sabe, que “entrar em uma ambulância” e dirigir-se ao SUS de outro município em busca da esperança e da vida.
Anderson Rosa Vaz
Doutor em Direito. Professor da UFU

Um comentário:

  1. Muito bem ponderado, que nos reflete sobre o princípio da universalidade do SUS. Mas se o sistema é único, porque os políticos e os servidores públicos não se utilizam dele? Dou a resposta. É porque vivemos no único país laico do mundo cujo feriado nacional se comemora evento religioso.

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