Política, Estado e Direito

Este blog é destinado ao debate e divulgação de idéias referentes à Política, Estado e Direito. Também servirá para interação e diálogo entre alunos e professores de Cursos de Direito e áreas de conhecimentos afins.



segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Por que não votarei em Serra, por Luis Bustamante

Não votarei em Serra porque seu eventual governo será um retrocesso em relação aos avanços sociais dos últimos oito anos. Entre 1994 e 2002, o binômio PSDB/DEM deu mostras de como governa. No governo FHC, do qual Serra foi ministro do planejamento e da saúde, o número dos muito pobres flutuou de 28,99 milhões para 28,17 milhões. No governo Lula, o número foi reduzido a praticamente metade, de 28,17 milhões para 15,54 milhões. O governo do PSDB/DEM gerou 5 milhões de empregos em 8 anos. O do PT gerou 15 milhões. Poderia citar mais e mais números, e o leitor já deve conhecê-los bem.
Argumentos que culpam a conjuntura econômica pelos maus resultados do governo FHC/Serra não se sustentam. Qualquer segundoanista de economia sabe que o mundo viveu um ciclo de expansão entre 1994 e 1998. Lula, ao contrário, enfrenta com sucesso, desde 2008, a pior recessão planetária dos últimos 70 anos.
Não votarei em Serra porque não desejo ver um inimigo do ensino público na presidência da República. O governo FHC/Serra, em oito anos, não criou nenhuma universidade pública. Professores sofreram arrocho salarial, sem um único reajuste. Estudantes foram prejudicados porque professores e pesquisadores aposentavam-se ou pediam demissão, e novos concursos eram proibidos. Hospitais universitários, como o da UFMG, foram fechados por falta de verbas. As instalações físicas das universidades sofriam em completa penúria. Enquanto isso, o ensino privado superior expandiu-se como nunca na história desse país.
O metalúrgico Lula, em sete anos, criou 14 universidades federais. As já existentes foram expandidas, concursos foram realizados e professores contratados, e os campi de todo o Brasil transformaram-se em canteiros de obras. Salários de professores e técnicos foram reajustados, a ponto de provocar críticas da revista Veja contra a “aristocracia acadêmica” das universidades federais.
Não votarei em Serra porque sua candidatura tem o apoio – e está sendo pautada – pela extrema direita. Se, no início da campanha, Serra posava como um doce Dr. Jeckyll liberal, agora exibe as presas de um feroz Sr. Hyde direitista. Serra quer ganhar a eleição a qualquer custo (ênfase no qualquer) e, para isso, foi cobrindo seu discurso com as camadas de ressentimentos acumulados por um espectro que vai dos elitistas demofóbicos à mais atávica direita fascista. A candidatura Serra conseguiu a proeza de arrancar das profundezas e perfilar integralistas, ex-torturadores, a linha-dura militar golpista e até a TFP que, recentemente, espalhou spams e distribuiu panfletos anti-Dilma em reuniões do PSDB.
Não votarei em Serra porque sua eventual vitória não se dará por méritos seus, mas por efeito dos boatos torpes difundidos por spams na internet e em púlpitos de igrejas. Sabe-se, graças a investigações feitas pelo jornalista Tony Chastinet, que alguns desses spams foram produzidos por uma organização chamada Tribuna Nacional, que abriga neonazistas e ex-informantes do Cenimar, centro de torturas da época da ditadura.
O conteúdo das mensagens de e-mail anti-Dilma revelam muito sobre os preconceitos de alguns setores da classe média. Reproduzidos em surdina, tais preconceitos afloram com toda a sua ferocidade em períodos de mobilização política. As mensagens agridem a candidata petista porque é mulher e divorciada – enquanto nada se viu, por exemplo, sobre Aécio Neves, também divorciado, mas homem –, porque foi guerrilheira, porque um dia se declarou agnóstica.
Não me convencem os que dizem que Serra não tem como controlar os boatos. O candidato peessedebista não só não quer controlá-los, mas os usa para angariar votos, haja vista as propagandas no horário gratuito abordando a polêmica do aborto. No debate da Band, Serra, mais devoto a cada dia, perguntou a Dilma se ela acredita em Deus. O católico praticante Lula nunca fez pergunta semelhante a Fernando Henrique, que se confessou ateu numa entrevista à Playboy de 1983.
Os boatos que, em 1989, impediram a vitória de Lula – de que iria dividir as casas dos pobres com os sem-teto, mudar as cores da bandeira, confiscar a poupança – revelaram, já durante a campanha, a baixa estatura moral de seu oponente Fernando Collor. A boataria atual, da mesma maneira, revela a de Serra.
Não votarei em Serra porque sua vitória significará uma derrota para o Estado laico. A separação entre Estado e religião é a primeira e basilar conquista política iluminista. Se Serra vencer, será porque assumiu as bandeiras dos setores mais intolerantes da direita religiosa brasileira, com a qual, certamente, terá compromissos a saldar. Não pensem que Serra está usando os religiosos para driblá-los depois. Pensaram o mesmo de Bush quando, graças ao apoio da direita religiosa, venceu Albert Gore em 2000. Os fundamentalistas irão cobrar a fatura depois.
Não votarei em Serra porque ele representa a mais abjeta demofobia cultivada por alguns setores da classe média urbana brasileira. Todos nós conhecemos pessoas que têm asco pelos de origem humilde. Gente esnobe, arrogante, que se sentiu ultrajada quando pobres e pretos passaram a freqüentar espaços antes exclusivos. A espetacular ascensão social ocorrida nos últimos sete anos transformou o asco em ódio. Ódio pelo Bolsa família, que encareceu e escasseou as antes servis e cordatas empregadas domésticas. Ódio pela nova classe C, que lotou as filas de espera dos aeroportos e colocou velha e nova classe média lado a lado nas poltronas dos aviões. Ódio pelos pobres que, agora, freqüentam universidades federais e particulares, graças ao Prouni. Se você, leitor, conhece gente assim, responda-me: em quem eles disseram para você que vão votar?
Não votarei em Serra porque ele não cumprirá as promessas que vem fazendo. Serra não tem programa de governo, e conduz sua campanha ao sabor dos apoios que recebe – grande imprensa, classe média, grupos religiosos, extrema direita, nessa ordem. No entanto, sabe que, para se eleger, precisará da adesão dos que melhoraram de vida nos últimos oito anos e têm gratidão por Lula. Para conquistar o voto dos mais pobres, Serra fez promessas – salário mínimo de 600 reais, bolsa família dobrada com 13º, aumento de 10% aos aposentados – que eu, você, os economistas do PSDB e ele mesmo sabemos que não irá cumprir. Sua vitória será um estelionato político semelhante ao de Collor, com a diferença de que, dessa vez, não terá a imprensa contra ele. Esse conto do vigário eleitoral, que aposta na boa fé dos que dependem do Bolsa Família e salário mínimo para sobreviver, denuncia, por si mesmo, os limites morais e éticos do candidato Serra.
Não votarei em Serra porque, caso ele vença, a liberdade de imprensa estará sob ameaça. Durante os oito anos de governo Lula e, mais ainda, nesta campanha presidencial, os quatro grandes grupos de mídia do país – Folha de São Paulo, Organizações Globo, Grupo Abril e Estado de São Paulo – mostraram flagrante parcialidade em favor do candidato da direita. Nas páginas dessas publicações e na tela daquela emissora, denúncias contra a candidata petista tiveram ampla repercussão e foram motivo para ilações e pré-julgamentos, enquanto as que atingiam Serra – caso Verônica Serra/Daniel Dantas, caso Paulo Preto/Dersa, por exemplo – não foram sequer noticiadas.
Quando, depois de investigadas, as acusações contra o governo e o PT se revelavam falsas – caso “escândalo da Receita”, por exemplo – a grande imprensa não publicava os desmentidos. Ao contrário, fazia novas acusações. Notícias negativas sobre o governo eram amplificadas, e as positivas, escondidas. Manchetes, fotografias, textos foram sobejamente distorcidos, descontextualizados, deslocados, recortados e ou simplesmente falsificados – a exemplo da ficha falsa de Dilma, na Folha –, para desconstruir a imagem da candidata petista.
Na eventualidade de uma vitória de Serra, a grande imprensa manterá uma postura laudatória, acrítica e bajuladora em relação ao seu governo. Um Serra sorridente, com a mão no queixo, será vendido como estadista nas capas de Veja, enquanto as estrelas ninjas vermelhas, os polvos juliovernianos, as hidras de sete cabeças e as fotos escurecidas em vermelho-sangue – as conhecidas técnicas de terrorismo gráfico de Veja, inspiradas nos cartazes do Terceiro Reich – continuarão a ser reservadas para a oposição de esquerda.
Os resultados do governo Serra pouco importarão, pois as informações serão sempre distorcidas a seu favor. Nesta campanha, a grande imprensa testou os limites da impunidade e percebeu o quanto são amplos. Por isso, perdeu o pudor de manipular. A censura do governo Serra não precisará de leis ou censores aboletados nas redações. Será censura branca, pautada pelas quatro famílias e seus prepostos que controlam a maior parte da informação veiculada no país.
Não votarei em Serra porque, em seu governo, haverá perseguição política contra os que pensam diferente. Essa perseguição será ao estilo macartista, uma “caça às bruxas” que dispensa cárceres, torturadores, polícia política e tribunais de exceção. Funcionários públicos serão perseguidos, postos na geladeira e terão suas carreiras paralisadas. Atores, diretores e roteiristas simpáticos ao PT não serão contratados pela maior emissora ou por sua produtora de cinema. Autores de esquerda não terão seus livros publicados pelas grandes editoras. Jornais e revistas críticos ao governo serão asfixiados pela falta de verbas da propaganda oficial.
Num eventual governo do PSDB/DEM, órgãos de imprensa demitirão jornalistas simpáticos à esquerda ou até mesmo os imparciais, a exemplo do que aconteceu com Maria Rita Kehl na semana passada, dispensada do Estado de São Paulo porque publicou um artigo elogioso ao presidente Lula. Serra é conhecido no meio jornalístico por agredir entrevistadores sempre que é confrontado por perguntas incômodas, e por disparar telefonemas às redações exigindo a cabeça de repórteres impertinentes.
O ambiente político será asfixiante, semelhante ao dos Estados Unidos na década passada. A vitória de Bush, em 2000, apoiado pela extrema direita religiosa e pelos neocons republicanos, criou um clima de intolerância neo-macartista que só perdeu força em seu segundo mandato, por causa do desgaste político da guerra do Iraque.
Não votarei em Serra porque sua campanha se baseia no ódio negativista, no ressentimento rancoroso. Desafio o leitor a encontrar um único texto de jornalista ou blogueiro, em apoio à candidatura Serra, que não contenha ataques a Lula, ao PT ou a Dilma em tom insultuoso. Se encontrar, lerei com prazer.
Não votarei em Serra e lamentarei muito sua eventual vitória. Que este escrito permaneça como registro de que não serei cúmplice desse retrocesso.
Luís Bustamante - http://paginacultural.com.br/artigos/por-que-nao-votarei-em-serra/

Nenhum comentário:

Postar um comentário